quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A Fernanda Câncio veste Prada, os Diabos ficam nus



Durante vários anos, como forma de glorificar o carácter efémero da arte, Christo e Jeanne-Claude divertiram-se a embrulhar monumentos famosos com tecido. O Reichstag berlinense e a Pont Neuf em Paris foram alguns dos locais intervencionados pelo casal de artistas, sob o olhar espantado dos habitantes das respectivas cidades. Na sua crónica no DN, Fernanda Câncio, jornalista e activista de várias causas, queixa-se de ter sido alvo de um procedimento semelhante: em 2001, quando entrava com um top de alças na Catedral de Milão, foi coberta por um pano lançado sobre si pelo padre que se encontrava na porta desse templo cristão. O objecto têxtil arremessado não é alvo de descrição detalhada mas, uma vez que o evento teve lugar em Milão, é de todo incompreensível se não se tratar, na pior das hipóteses, de um lenço Armani ou Prada.
Conhecendo eu Fernanda Câncio através de imagens televisivas e de fotografias na imprensa, considero este caso relatado pela própria como totalmente incompreensível. Tendo já utilizado várias horas da minha vida a pensar em formas de conseguir despir mulheres bonitas, nunca me passaria pela cabeça gastar um segundo que fosse a tentar tapá-las. Tratando-se de um padre, julguei que tudo não tivesse passado de uma interpretação abusiva d´ “As 14 obras da misericórdia”, nomeadamente da 3ª obra corporal - “vestir os nus”. A jornalista, no entanto, tem outra interpretação: há uma discriminação contra o sexo feminino, transversal a todas as culturas e religiões, baseada na “ideia de que o corpo das mulheres é pecaminoso, provocante ou vergonhoso e deve ser resguardado, controlado, ocultado, aprisionado em atenção aos homens (que, coitados, não se controlam) e “respeito” pelos deuses”.
Estava eu quase convencido pela força desta frase quando me lembrei das minhas próprias experiências de vida. No final dos anos 90, envergando uns calções pelos joelhos, fui proibido de entrar na Basílica de São Pedro por um segurança. Ter-me-á confundido com uma senhora com excesso de pilosidade? Como viajava com um grande amigo resolvi bem a situação: aguardei na Praça enquanto ele visitava a Basílica e depois, quando ele terminou, visitei a Basílica vestido com as suas calças. Apesar de me ficarem estupidamente compridas e largas, serviram para garantir o “”respeito” pelos deuses”. Quanto ao meu grande (e gordo) amigo, foi obrigado a esperar de cuecas num recanto da Praça, não mostrando qualquer tipo de “atenção aos homens” (que, coitados, perante tal imagem de decadência, se controlaram para não o gozar). Uns dias depois, à entrada da Mesquita Azul em Istambul, novo problema com as minhas pernas. Como o meu compreensivo amigo também estava de calções, não era possível a aplicação do esquema romano. Foi então que surgiu um aspirante a Christo que trabalhava no templo islâmico e que nos lançou uns panos com os quais fizemos duas saias. Como não estávamos numa capital da moda os objectos têxteis eram fracos. Mas mostrámo-nos agradecidos pela atenção e por não termos sido pura e simplesmente impedidos de entrar. Vejo por isso agora, após o relato da Fernanda, que há uma efectiva discriminação efectuada pela Igreja Católica contra os homens descascados, proibindo-lhes a entrada nas igrejas, enquanto fornecem panos que permitem o turismo cultural dos corpos “pecaminosos, provocantes e vergonhosos” das mulheres. Aliás, consultando as regras de admissão na Basílica de São Pedro, constato também que há uma equivalência pecaminosa dos ombros, decotes e coxas dos homens e das mulheres, mas uma nítida valorização do carácter satânico das canelas dos homens. Uma segunda discriminação, que é, aliás, partilhada pelo meu chefe, pois ainda agora estou aqui cheio de calor a trabalhar de meias e calças, enquanto observo deliciado a depilação cuidada da minha colega da frente.   


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