quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Galos e Galarós


“Barcelos verde rincão
Terra lusa, nobre gente
Onde um galo morto cantou
Para salvar um inocente."


António Costa foi inaugurar o enorme Galo da artista plástica Joana Vasconcelos e, na hora da verdade, foi traído pela falta de uma pilha! Desde o dia em que Golias foi derrubado por uma pedrita que um objecto tão pequeno não atrapalhava tanto a vida a um poderoso. Sobre este contratempo há algumas considerações a tecer. Em primeiro lugar não deixa de ser surpreendente que um homem capaz de acções extraordinárias tais como colocar uma vaca a voar e juntar bloquistas e comunistas no mesmo projecto não tenha conseguido algo que já se fez em Barcelos no século XVI: extrair sons a um galináceo inanimado. Regista-se ainda a curiosidade de ver um evento destinado à promoção da cidade da Web Summit e da 4ª Revolução Industrial a ficar pendurado por uma vulgar pilha voltaica, uma das invenções da 1ª. É como se a Revolução Francesa tivesse sido interrompida por falta de ferro para construir guilhotinas.
Felizmente para a História da Arte o nosso primeiro-ministro não desiste facilmente e, recorrendo a umas piadas, conseguiu entreter a assistência até o problema estar resolvido. Esta capacidade de dar a volta a qualquer situação é já tão reconhecida por toda a gente, que existe neste momento um consenso absoluto no país: António Costa é o verdadeiro político. A única divisão a realçar é entre aqueles portugueses que referem este facto como um elogio e a restante maioria que o sublinha como um insulto. Mas nem isso é suficiente para o desmotivar, já que maiorias e minorias são conceitos que relativiza com facilidade. Por exemplo, a vitória de António José Seguro nas Eleições Europeias soube-lhe a poucochinho; já a sua derrota nas Eleições Legislativas foi a alvorada de um “tempo novo”.
Esta foi a principal lição que o actual chefe do governo aprendeu na corrida entre o burro e o Ferrari que organizou na campanha autárquica de 1993. O burro ganhou confortavelmente, tal como ele desejava, mas quem se sentou na presidência da Câmara de Loures foi novamente o candidato da CDU. Nessa altura pôde compreender a força inigualável de uma retumbante derrota. É por isso que aconselho António Domingues e Mário Centeno a manterem os olhos bem abertos no conturbado processo da Caixa Geral de Depósitos. Generoso e leal como é, António Costa fará, caso seja necessário, todos os possíveis para os presentear com as vantagens e alegrias de uma experiência desse tipo. E quando isso acontecer, não haverá galo que lhes valha.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Eu, Centeno, o cativador



Saio da cama onde roncara
Cativo as unhas e os pêlos da cara
Tomo um bom banho, ponho a gravata
Logo pareço um tecnocrata
Cativo a baguete e fatias de queijo
Saio de casa lançando um beijo
Rua compacta, fila a parar
Cativo à esquerda pra me despachar
No Ministério os gastos rejeito
E sem cerimónias, cativo a direito
Já no almoço, perante os mordomos
Peço laranja, cativada em gomos
Quanto ao café, cativo-o com leite
Pois fica mais fraco e é um deleite
E respeito o médico, que me deu o mote
Cativo no açúcar, só meio pacote
De volta ao trabalho, défice a escalar
Não há problema, é só cativar
Saio mais cedo e sem desmazelo
Vou ao barbeiro, cativo o cabelo
Chego a casa, patilhas imberbes
Cativo a relva e mais duas sebes
Na hora da ceia cativo o pão
Mais meia pastilha para o coração
Dentes lavados, cozinha arrumada
Vou para a cama com a minha amada
Ensaio um avanço, demonstro paixão
Cativa-me as vazas, diz-me que não