quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Adenda



Esqueci-me da fotografia dos candeeiros do Passeig, carago! Os gajos deram-lhes o nome de ”Bancs-Fanals”, qualquer coisa como “bancos-candeeiros” em português. Estavam com uma imaginação do caralho no dia do baptismo, os sacanas. Reparem que o local onde nos podemos sentar foi decorado com bocados partidos de cerâmica, uma técnica muito utilizada no Modernismo Catalão mas que dá cabo das bochechas do rabo das espanholas que usam aqueles calções muito curtos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O meu inter-rail; 4º capítulo: "Penetrar no Anillo"



“A oeste nada de novo”, dizia o escritor alemão de quem os nazis não gostavam. Ah, a literatura*, que sempre comandou os meus passos e os comanda uma vez mais neste pequeno percurso entre o comboio que acaba de chegar e a bilheteira que já lá se encontra! “Buenos dias, senhorita, faça-me aí uma reserva antecipada de lugar, a tal que é obrigatória apesar do meu “passe que permite andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos os países europeus excepto naquele em que nasceste”**. Pode ser para o primeiro coiso*** que me leve para leste, que eu já conheço a sua cidade e quero é chegar a Istambul”. O melhor que me arranjou foi um coiso ao fim da tarde destinado à fronteira com França, onde poderia mudar, sem grande espera, para um outro que me levaria até Nice. A ideia agradou-me bastante pois esta seria a segunda viagem a ter lugar durante a noite. Como também seria a segunda viagem a ter lugar durante o inter-rail, detectei, com brilhantismo, a possibilidade da existência de um padrão. Inspirado por motivos de natureza cultural, também conhecidos como “falta daquilo com que se compram melões”, comecei a idealizar um plano de austeridade assente em dormidas nos comboios. E o plano foi tão bem desenhado que a primeira vez que encostei o esqueleto a um colchão foi na Turquia, uma semana depois de ter saído de casa. Mas regressemos a Barcelona, onde teria de ocupar aproximadamente umas 8 horas. O que fazer? Numa visita anterior à Catalunha já tinha despachado o típico roteiro turístico (a distinção entre turista e viajante, essa questão melindrosa que tanto apoquenta os intelectuais, fica para depois, talvez para Roma) das Ramblas, Bairro Gótico, Camp Nou e obras do Gaudí, do Parque Güell à Casa Batlló, passando pela Santa Engrácia lá do sítio, de seu nome Templo Expiatório da Sagrada Família, uma enorme basílica flanqueada, se bem me recordo, por dois terrenos vazios com dimensão suficiente para a edificação de um shopping modernaço de grandes dimensões****. Alguns dos principais museus também já tinham sido vistos na última viagem e o único que me tinha deixado saudades, o Teatro-Museu Dalí, ficava a mais de 100 km da cidade (“Ah, mas ó Aníbal, não é suposto não se poder dizer nunca que um museu está visto uma vez que a soma de todos os pormenores e interpretações das obras expostas tende para o infinito obrigando por isso a impossíveis infinitas visitas para que tal fosse verdade?”; “Hum, interessante problemática! Antes de mais o meu muito obrigado pelo pertinente comentário. Quanto à questão em concreto, estimo bem que te fodas.”; “Ah, mas ó Aníbal, lembrei-me agora que estamos a falar de Barcelona, uma cidade onde os principais museus estão recheados de Cubismo, de Surrealismo, e de outras correntes da Arte Moderna, o que torna ainda mais relevante a multiplicidade interpretativa que evoquei!”; “Sim, sem dúvida. Felizmente, o “estimo bem que te fodas” está imune a divergências de interpretação.”).



“Museu Picasso” – se deseja conhecer as mais importantes obras deste artista,
este é um dos museus que não deve visitar



Nunca tinha assistido, para grande pena minha, a uma ópera no Gran Teatre del Liceu ou a um concerto no Palau de la Música Catalana, mas também não ia ser desta que o ia fazer em derivado a factos relacionados com o carácter diurno da estadia (se lá permanecesse para a noite não o faria na mesma em derivado a factos relacionados com o carácter andrajoso da vestimenta). Optei então, depois de largar a mochila num cacifo, por dedicar umas horas à zona olímpica de Montjuïc e aproveitar o resto do tempo para coçar os toma…, digo, observar o fluxo da humanidade e os magníficos candeeiros, sentado numa esplanada do Passeig de Gràcia.
A majestosa colina de Montjuïc, ponto nevrálgico dos Jogos Olímpicos de 1992, assume sem modéstia, do alto dos seus 170 metros de altitude, um olhar sobranceiro sobre a Cidade Condal. Agora sem merdas e com os exemplos que mereceis: lembrais-vos das imagens espectaculares proporcionadas pela modalidade de saltos para a água nos JO 92 e em posteriores Campeonatos do Mundo? Foi o olhar sobranceiro da Piscina Municipal de Montjuic que as permitiu. Mas por Deus, não façais confusão com as Piscinas Picornell onde decorreram as provas de natação e que também se situam em Montjuic apesar de não se conseguir ver, a partir das suas bancadas, a ponta de um corno da cidade.



Atenção: este gajo não está a saltar para as Piscinas Picornell




Além desses dois húmidos equipamentos, o “Anillo Olímpico” (este nome é tão pornográfico que até mete nojo mas, cariños, juro que não fui eu que o inventei) inclui ainda um conjunto de outras instalações desportivas das quais importa destacar o Estádio Olímpico, palco de variadíssimas actividades nos Jogos de 92, nomeadamente o espectacular momento em que um arqueiro acende a Pira Olímpica disparando uma flecha em chamas de um local tão distante que poderia ser incluído sem medo no conceito de “longe comó caralho”. Claro que as más línguas vieram logo dizer que o arqueiro tinha disparado para fora do Estádio e que a pira tinha sido acesa electronicamente, numa manobra de pura ilusão de massas combinada e ensaiada ao segundo. Apesar das más línguas estarem provavelmente correctas, desejo-lhes na mesma um destino à la João César Monteiro.


Antonio Rebollo prestes a “acender” a Pira Olímpica



De referir que o Estádio Olímpico de Montjuic foi construído há quase 100 anos e tinha pretensões a ser o palco principal dos Jogos Olímpicos de 1936. A candidatura foi perdida para Berlim mas, uma vez que a votação ocorreu antes da ascensão dos nazis ao poder, não me parece necessário que comeceis a apelidar de fascistas os ilustres membros do Comité Olímpico Internacional. Duvido, porém, que consigais resistir a chamar-me fascista quando vos disser que o brutalmente nazi Estádio Olímpico de Berlim mete num bolso das moedas o parente afastado de Barcelona. E que uns Jogos em Montjuic na década de 30 não teriam uma Riefenstahl atrás da câmara de filmar. Adiante, que a estética totalitária é um fantasma à solta no meu sistema nervoso central. Finalizo o relato da minha rápida penetração no “Anillo Olímpico” transmitindo o que senti quando vi a “Torre de Telecomunicaciones” plantada no local pelo Arquitecto Santiago Calatrava: puta que pariu o filho da puta do megalómano! Foi isto que senti e que até terei dito em voz alta perante o enorme piçalho circuncisado que o valenciano ergueu mesmo no meio do Anillo, quase de certeza apoiado em sapatas de fundação armadas com as pastas de arquivo das facturas relacionadas com as derrapagens orçamentais*****. 


 
“Enorme Piçalho Circuncisado”, também conhecido como
“Torre de Telecomunicaciones de Montjuïc”



Terminada a visita desci ao centro da cidade, comi um McQualquerCoisa, bebi uma cerveja ranhosa em frente a um dos candeeiros pretendidos, cocei os…, perdão, observei o fluxo da humanidade e, no final do dia, enfiei-me no comboio com destino à fronteira francesa. Passei por Figueres (terra do Salvador Dalí e do tal museu que me deixou saudades) e duas horas depois fui largado em Cerbère, já do lado francês, onde aguardei mais umas horas pelo outro coiso que me deixaria em Nice na manhã seguinte. A troca de comboios deveu-se à diferente bitola utilizada nos dois países (Ibérica em Espanha, Internacional em França), o que implica que entre Portbou (Catalunha) e Cerbère (Languedoque-Rossilhão) coexistam duas linhas diferentes. Poderia explicar esta treta com mais detalhe mas, uma vez que no recente debate sobre o TGV quase todos os portugueses se mostraram especialistas em bitolas, penso não ser necessário. Acrescento apenas que não me lembro de ter trocado de comboio na fronteira quando regressei. Tal pode ser explicado por ter sido efectuada numa das estações uma operação de ajustamento dos rodados das carruagens ou por eu me encontrar em tal estado de exaustão que tenha sido transportado ao colo de um comboio para outro depois de ter sido sodomizado por quatro revisores, dois maquinistas, um guarda-freio  e um chefe de estação. Esperemos que tenham ajustado o caralho dos rodados.     



* copyright ou o catano daqueles gajos do Canal Q

** a repetição desta frase provoca-me uma confusão de sentimentos, como se visse o Pedro Silva Pereira a engasgar-se com o meu James Martin's 30 anos. Por um lado parece-me que pode servir como um ponto de referência comum aos vários textos uma vez que eles são publicados em alturas diferentes. Por outro lado já estou farto dela e nunca mais a escrevo.     
[Obviamente também reflecte a influência (a sinceridade é muito bonita) que o ensaio do David Foster Wallace sobre o Federer exerce sobre a minha pena; a continuada repetição, no mesmo texto, da expressão "estilo moderno dos potentes jogadores de fundo do campo", não me tendo enjoado em relação ao autor, acabou por me enjoar em relação aos autores que nunca se tinham lembrado desse truque].

*** aqui devia escrever “comboio” mas ainda estou no início do texto e já escrevi “comboio” uma vez e “comboios” outra; podia escrever “locomotiva” mas estaria tecnicamente errado; podia escrever “meio de transporte sobre carris” mas ficaria ridículo; vou deixar o “coiso”. 

**** Belmiro, não sei o que esperas para reunir com o Alcaide.    

***** Estou em condições de afirmar, após ter visto ao vivo a sua obra na cidade de Valência, que a humanidade já não era sujeita a um gajo com tamanha mania das grandezas desde o tempo de Ramsés II. Dada a dimensão, as formas e os materiais usados nas suas construções, é até de estranhar que os desvios nos custos não sejam maiores. Mas devo acrescentar que existe uma surpreendente delicadeza nas suas pontes e no “Turning Torso” de Malmö que contrasta com o gigantismo da maioria das outras obras.

 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

The ring



A última temporada do Breaking Bad está vista. Muito bom, tudo muito bom. Com tempo e talento poderia escrever um ensaio sobre os poderosos combustíveis que são o ressentimento e a frustração ou sobre o estoicismo de Gustavo Fring ou sobre a fronteira México-USA como o grande fétiche da produção cultural contemporânea ou sobre as nuances de raiz religiosa que distinguem o “desire to provide for the family” de Walter White do “la familia es todo” de Hector Salamanca ou sobre dezenas de outros temas que foram mexendo com os meus neurónios desde o primeiro episódio. No entanto, se tivesse mesmo talento (a verdade é que até tenho tempo), abordaria a brilhante lição dada pela equipa técnica de Breaking Bad à equipa técnica do Senhor dos Anéis através da discreta omnipresença da aliança de casamento de Walter White. É assombroso como um objecto de 3,8 cm2* se impõe com aquela força no ecrã de televisão durante toda a série.




* área calculada de acordo com a fórmula [A = Pi*r2] e considerando que a aliança de Walter White tem 2,2 cm de diâmetro (a minha tem apenas 2 cm mas o WW tem os dedos grossos)



Em relação à magna questão levantada aqui pela Carla Hilário Quevedo, se esta é uma série sobre um homem que se torna mau ou uma série sobre um homem que apenas acaba por assumir a sua verdadeira natureza, vou ler o Hobbes (penso que era adepto da teoria da maldade intrínseca do ser humano; não tenho a certeza uma vez que abordei o Leviathan através de uns apontamentos que me foram emprestados por um gajo que tinha uma letra pouco perceptível), o Rousseau (propagou a visão optimista da natureza humana, não há dúvidas; a treta do bom selvagem e tal) e aquela espectacular máxima do “homem e a sua circunstância” do Ortega Y Gasset, e talvez volte ao assunto mais tarde. Mas aproveito para antecipar que não afasto uma hipótese alternativa: WW não era um homem mau no 1º episódio e WW não é um homem mau no último episódio. O único momento em que se entregou sem reservas à verdadeira maldade, aquela que é praticada de forma gratuita, sem motivo e sem necessidade, foi com Mike Ehrmantraut, e não me parece que um ser humano mereça o inferno por ter ido uma vez beber um copo com o diabo. Entretanto, se tudo correr bem, tentarei rever até ao fim do ano todos os 62 episódios da série. Mas apenas umas 2 ou 3 vezes, no máximo...

  
PS – numa óptica de promoção do empreendedorismo aproveito para sugerir ao Shéu Han que abra um Los Pollos Hermanos na zona de Benfica. Não sei porquê mas lembrei-me.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O meu inter-rail; 3º capítulo: "mierdices"



Recapitulando: o cair da tarde pintava de laranja as austeras paredes da granítica cidade galega no momento em que… Paneleirice! Esta frase está carregada de paneleirice. Recapitulando a recapitulação: é fim da tarde em Vigo e acabo de entrar no comboio com destino a Barcelona. Carrego uma mochila de campismo e tenho no bolso das calças o bilhete de inter-rail, o tal que me foi vendido como “passe que permite andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos os países europeus excepto naquele em que nasceste”. Claro que não sou totalmente inocente e o gajo que mo vendeu (gajo que não é meu amigo, ao contrário do gajo que me deu boleia) sabia que eu sabia que ele sabia que nem todos os países europeus estavam contemplados. Bielorrússia e Ucrânia, só para citar dois, não estavam. Mas quantos dos nossos vizinhos que encontramos na fila do Pingo Doce sabem que a Bielorrússia e a Ucrânia pertencem à Europa? O Sr. Lemos do 3º esq. que trabalha nas Finanças e a D. Fátima do R/C que é secretária na Escola Secundária? Talvez. Quem sabe. É portanto justo dizer que estavam contemplados todos os países europeus que todos os portugueses conhecem como sendo países europeus, alguns países europeus que alguns portugueses conhecem como sendo países europeus (Bulgária e Roménia, por exemplo) e um país meio-europeu que 284 portugueses conhecem como sendo um país meio-europeu. Falo da Turquia, terra que me interessava muito e à qual queria chegar o mais rapidamente possível. Não contava por isso com as dificuldades técnicas, mais conhecidas por merdices, que me surgiram logo na viagem inicial. Mas voltemos um bocado atrás. Estou na carruagem que me serviu, de forma totalmente aleatória, de entrada para o comboio, e reparo que a mesma é constituída por várias cabines muito agradáveis, cada uma das quais contendo duas magníficas poltronas que se podem transformar em camas. Parece-me demasiado bom para ser verdade mas resolvo sentar-me numa delas com ar de banqueiro de investimento que por engano se vestiu às escuras no quarto do jardineiro*. Antes que tivesse tempo de pegar em qualquer coisa para ler ou num mapa para analisar** entra-me na cabine uma espanhola já velhota, totalmente aperaltada (já passava das 6 da tarde, hora a partir da qual todas as espanholas se apresentam com uma camada de maquilhagem que seria suficiente para tapar as rachadelas das paredes de todos os edifícios da Puerta del Sol) e que me começa a olhar como se eu fosse um jardineiro que se vestiu às escuras no seu próprio quarto. Atiro-lhe um buenas tardes manhosíssimo ao que ela responde com um pienso que está sentadito en el lugar que es mio ou outra coisa muito parecida que já não me lembro bem pois foi há muito tempo. Sabendo que aquela Duquesa de Alba que me observava atentamente deveria ter razão abandonei com celeridade o lugar, talvez temendo que lhe pudesse passar pela cabeça sentar-se no meu colo. Avanço pelo comboio fora e deparo-me com uma carruagem repleta de beliches e ocupada por muitos rapazes e raparigas que aparentavam ter partilhado comigo a escuridão do quarto e respectivo guarda-roupa do jardineiro. Todos tão obviamente interrailers*** que nem me senti envergonhado quando perguntei ao primeiro que olhou para mim se aquelas camas estavam todas ocupadas. E foi aí que estabeleci contacto com a 2ª dificuldade técnica, mais conhecida por merdice, daquele início de viagem. Pelos vistos aqueles beliches estavam sujeitos a marcação prévia, coisa que vos deve parecer óbvia e que eu próprio considero óbvia neste momento, mas que não tinha considerado óbvia antes daquela conversa. Já com a locomotiva em movimento arrasto a mochila para a carruagem seguinte, a primeira que apresentava uma disposição semelhante às da CP, e sento-me num lugar à sorte, completamente rendido à perspectiva de passar as 15 horas seguintes num estado de – riscar o que não interessa de acordo com a visão optimista ou pessimista que normalmente utiliza para interpretar a humanidade e os acontecimentos do quotidiano – semi-conforto / semi-desconforto. Como o comboio ia parar em todas as estações e apeadeiros que faziam parte da linha Vigo-Barcelona resolvi pegar no mapa de Espanha para me ir situando no percurso. Estava quase a chegar à fronteira de Castela e Leão quando aparece o Pica (com letra maiúscula, que aqui há respeito) e me pede o bilhete com uma voz de quem tinha passado o dia todo a comer serrim e a fumar daqueles Ducados que faziam o SG Filtro parecer tabaco para crianças. “Toma mi passe”, digo-lhe eu com cara simpática enquanto acrescento mentalmente um poderoso cabrón. “Donde tienes la reserva?”, pergunta-me o galego ou castelhano ou catalão ou o caralho. Pronto, estava armada a 3ª dificuldade técnica, mais conhecida por merdice, daquele início de viagem. “Que resierva, hombre?, io tengo uno daqueles passes que permiten andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos los países europeus excepto naquele em que has nascido!” Não era suficiente. Nas terras de Espanha era obrigatório, mesmo em inter-rail, fazer uma reserva antecipada de lugar nas bilheteiras das estações a troco de mil e tal pesetas. Aqui o vosso Aníbal não tinha a reserva e muito menos as pesetas pelo que teve, após um choradinho acompanhado de castanholas e juras de ignorância, de abandonar o comboio na estação seguinte, correr para um multibanco para levantar pesetas, correr para a bilheteira para reservar um lugar, correr para o comboio para seguir viagem e correr para o – letra maiúscula por favor – Pica para lhe agradecer muito, desejar-lhe imensas felicidades para toda a família e transmitir-lhe que os dias 14 de Agosto de 1385 e 1 de Dezembro de 1640 tinham sido os piores dias de toda a História de Portugal e que o Conde de Andeiro tinha agido correctamente ao papar a D. Leonor de Teles, encornando o Rei D. Fernando. A partir desse momento não ocorreram mais dificuldades técnicas dignas de registo e na manhã seguinte, depois de 15 horas sentado num lugar de mierda, cheguei a Barcelona.

(continua)




* o vestuário que utilizei durante a viagem foi de uma simplicidade extrema, verdadeira austeridade avant la lettre. Um par daquelas calças que se podem transformar em calções serviu para o mês inteiro (quase sempre utilizadas na forma de calções); eram escuras e não se notava (muito) a sujidade. Nos pés levava umas sapatilhas (sou do norte, não calço ténis; vocês, lisboetas, costumam ver na televisão os jogos de sapatilhas do Nadal?) e no tronco uma t-shirt (não se preocupem, ao contrário das calças, levei mais do que uma t-shirt; também levei alguns pares de meias e de cuecas). Na mochila transportava uma toalha de praia, uns chinelos, artigos de higiene, alguns livros, guias de viagem e mapas, uma caixa de paracetamol, dois pacotes de bolachas, uns calções de banho, uma segunda mochila de tamanho reduzido, um saco-cama, uns maços de tabaco (já não fumo mas na altura fumava) e uma sweat (era Verão, foi pouco utilizada). O cartão de crédito (do meu pai) e um pequeno maço de dólares (nos anos 90 o euro ainda estava a ser projectado; por falar nisso, bela merda de projecto que fizesteis, meus caralhos) estavam devidamente escondidos num bolso falso que a minha mãe ardilosamente criou no interior das calças que raríssimas vezes abandonaram as minhas pernas.


** não sei se já vos disse mas gosto muito de mapas; mapas-mundo, mapas de países, mapas de cidades, mapas de centros históricos, mapas políticos, mapas físicos, mapas demográficos, etc. Um´mapita sabe sempre bem. Brincadeira de palavras estúpida, gosto mesmo muito de mapas.              


*** é verdadeiramente impressionante a semelhança de todos aqueles que se encontram a fazer um inter-rail; suspeito que apenas nas paradas militares que ocorrem na Praça Kim Il-sung em Pyongyang poderemos encontrar pessoas tão parecidas umas com as outras. E a resposta é sim, a palavra interrailers usa-se neste meio.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Cai neve em Nova Iorque, chovem críticos de arte no meu país, excepto em Viseu


São Pedro

Aproveito para recomendar a todos os críticos de arte que surgiram em Portugal nas últimas semanas uma visita ao Museu Grão Vasco em Viseu. Passei por lá no início do ano e fiquei verdadeiramente maravilhado com o talento do homem. Tivesse ele tido a sorte de ter nascido em Florença ou na Flandres e seria conhecido e admirado em todo o mundo. Assim, tem tido uma média de 190 visitas por dia na sua terra natal. Que não se queixe, os velhotes que estão nos lares têm muito menos.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O meu inter-rail; 2º capítulo: "Vigo"



Tendo chegado a Vigo ao fim da tarde, apanhado o comboio para Barcelona ao fim da tarde e levando em consideração que esses dois fins de tarde ocorreram no mesmo dia, seria de esperar que não ocupasse qualquer linha desta reflexão a falar dessa cidade onde não passei nem uma hora do meu inter-rail. No entanto, por respeito à sua importância histórica na vida dos habitantes do Entre-Douro-e-Minho, não a poderia deixar de fora deste relato sentimental. Vigo foi o destino de milhares de romarias consumistas antes da abertura do El Corte Inglés de Vila Nova de Gaia e ainda é o destino de milhares de romarias “Hangover” style dedicadas a nubentes e organizadas pelos seus amigos. Encaixando com alguma habilidade na modéstia de espírito e de carteira do nortenho, é a nossa Las Vegasinhas*. Além disso, e não deixando de aproveitar o espaço aberto pela utilização desse interessante verbo que é o “encaixar”, importa também referir que foi nessa importante cidade pesqueira** que, numa bonita noite de Novembro de 1999, se encaixaram 7 deliciosos remates na baliza do Benfica, aumentando ainda mais a sua reputação de animadora de portuenses. Adivinhasse eu que tal jogo teria lugar num futuro próximo e teria cumprido peregrinação antecipada ao parque de diversões de Balaídos no pequeno intervalo entre os dois fins de tarde referidos na primeira linha deste texto. Como não adivinhei, pedi ao gajo que me deu boleia (é meu amigo mas às vezes trato-o por gajo ou por “meu caralho”) que me levasse directamente à estação da RENFE onde, munido do meu “passe que permite andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos os países europeus excepto naquele em que nasceste”, me enfiei sem demora na locomotiva com destino a Barcelona. Apesar de ter prometido resumir essa etapa neste segundo capítulo, vou-me marimbar para a promessa e deixar esse relato para o próximo texto. Até porque o “passe que permite andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos os países europeus excepto naquele em que nasceste” acabou por mostrar ter mais particularidades a necessitar de explicação do que aquelas que seriam de esperar de um “passe que permite andar gratuitamente durante um mês nos comboios de todos os países europeus excepto naquele em que nasceste”. É tudo uma cambada de ladrões é o que é…

(continua)




* acham que Las Vigos teria potencial como marca? A minha mulher diz que sim, para borrachões e putanheiros. Vou pensar melhor no assunto e depois vê-se.  


** o espírito de cidade pesqueira está bem representado neste magnífico monumento de enorme valor. Falo de valor sentimental para mim e não de valor propriamente dito em termos artístico-culturais, embora suspeite que o mesmo possa acumular os dois, suspeita que poderia confirmar rapidamente através de uma pesquisa rápida no Google que efectuaria escrevendo o nome do monumento na caixa de pesquisa (sei o nome de cor, chama-se “Los Rederos”) e descobrindo a partir daí o nome do escultor que a fez e o seu valor no financeiramente saudável mercado internacional de arte. Levar a cabo essa tarefa demoraria menos tempo do que o que estou a gastar a descrever a maneira como se leva a cabo essa tarefa mas não teria metade da piada e deixava-vos sem nada para investigarem pelos vossos próprios meios.




Voltando ao valor sentimental da obra importa esclarecer a sua origem dado que não encontrarão essa informação no Google. Vi-a pela primeira vez na adolescência, acompanhado de outros adolescentes meus amigos, na primeira vez que saí de Portugal liberto da companhia dos meus pais. O que levou a que tivesse memorizado esse episódio, quando nem sequer envolveu a visualização de gajas, foi a belíssima e gigantesca troca de argumentos que se desenvolveu no sopé da estátua e que pode ser assim resumida: um dos mancebos, que se encontrava imbuído de um forte desejo de desenvolver a musculatura e que acumulava a prática de flexões, elevações, agachamentos e o caralho com a aquisição periódica de revistas de musculação, olhando para os 7 colossais marinheiros a puxar uma rede de pesca afirma convictamente que alguns dos gajos que apareciam nessas revistas, desde que devidamente pintados de preto, poderiam ser infiltrados sorrateiramente no monumento sem que tal levantasse a mínima desconfiança por parte da população da cidade, análise a que os restantes excursionistas responderam com um sonoro “o caralho é que poderiam, deixa de gastar dinheiro nessas paneleirices e compra mas é a Gina”. Esta primeira contra-argumentação, de carácter mais geral, foi depois completada com pormenorizadas considerações sobre as dimensões sobre-humanas daqueles glúteos, bíceps, trapézios, deltóides, dorsais, adutores, tríceps e gémeos, contra-argumentação que foi rebatida com um “verdade, pá, aqueles gajos que aparecem na Muscle & Fitness não são bem humanos”, que deu por sua vez origem a uma contra-contra-contra-argumentação e assim sucessivamente até à hora de regressar à camioneta. Para aqueles que não acreditam que é por causa deste debate de ideias que nutro pelo monumento um grande carinho deixo a opção de se agarrarem a uma qualquer teoria relacionada com a importância da conquista pelos adolescentes de espaço físico em relação aos seus progenitores.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Cai neve em Nova Iorque, chovem críticos de arte no meu país



A maioria das pessoas que partilharam esta foto nas redes sociais também partilham com Cavaco Silva a ignorância total sobre o enquadramento e significado deste tipo de obras de arte. Não deviam por isso gozar com a expressão sincera do homem. Façam como eu, tentem desfrutar da piada da imagem sem tiques de superioridade. Vão ver que se vão sentir mais bonitos por dentro.