terça-feira, 20 de maio de 2014

“Prometo que só faço promessas em que prometendo, não prometo”




- Plebe, o teu marido não te merece, trata-te abaixo de cão e faz-te viver na miséria. Deixa-o e foge comigo.

- Tens razão, Tó-Zé, o Pedro tem sido um escroque e já estou cansada dele. Tu pareces diferente, podes prometer-me que serás bom para mim? 

- Sabes que não gosto de fazer promessas que não tenha a certeza de poder cumprir.

- Mas, não entendo! Quando o acusas de me insultar (com reduções de salários), de me bater (com aumentos de impostos) e de me fazer viver na miséria (com cortes no Estado Social), não estás implicitamente a prometer que não me vais insultar, não me vais bater e não me vais fazer viver na miséria?

- Não, nem por sombras, estou apenas a acusá-lo de te insultar, de te bater e de te fazer viver na miséria.  

- Mas não és contra isso, Tó-Zé?

- Claro que sou, acho inadmissível e desnecessário. Uma autêntica vergonha.

- Então, quando eu o abandonar e casar contigo, tudo isso fará parte do passado.

- Sim, Plebe, fará parte do teu passado com o Pedro.

- Sendo assim, posso ter a certeza que no futuro vou deixar de ouvir insultos, de levar na cara e de viver na miséria, certo?

- Isso não te posso prometer. 

- Como assim?! Podes garantir que és contra essas coisas mas não podes garantir que acabas com elas?!

- Repara, eu não sei em que estado te vou receber como minha mulher. Não sei se o Pedro te vai deixar em condições objectivas de não ouvires insultos, de não levares na cara e de não viveres na miséria. Fazer promessas neste contexto seria de uma enorme irresponsabilidade e contribuiria para desacreditar ainda mais a instituição do casamento.  

- Mas se não conheces as tais condições objectivas, em que te baseias para considerares inadmissível e desnecessário que o Pedro me insulte, me bata e me faça viver na miséria?

- Baseio-me no carácter completamente imoral desses três actos.

- Actos que não podes prometer não vir a praticar.

- Exacto.

- Apesar de os considerares indecentes e imperdoáveis.

- Ora nem mais.

- Posso então concluir que no nosso casamento vais dizer: “eu, Tó-Zé, recebo-te por minha mulher a ti, Plebe, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida, caso existam condições objectivas para ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. Caso não existam condições objectivas para ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida, terei de me comportar de outra maneira, embora considere essa outra maneira inadmissível, desnecessária, imoral, indecente e imperdoável.”

- Sem tirar nem pôr. Diz lá se conheces alguém tão honesto como eu...

- Oh meu amor, bem dizia o Nelson Rodrigues, é preciso muito cinismo para se chegar às bodas de ouro.


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