quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Borgen, o império da assertividade



Atrasadinho como sempre, acabei agora de ver a 1ª temporada de Borgen. A palavra que melhor descreve o estado de espírito com que fiquei é a tal maldita com que Camões encerrou Os Lusíadas: inveja. Não da organização dinamarquesa, ou das casas elegantes e confortáveis onde se pode andar descalço o ano inteiro, ou da beleza da chefe de governo (desculpe-me, Eng.ª Maria de Lourdes Pintasilgo), mas da presença avassaladora da assertividade em todas as facetas do quotidiano. Claro que nunca sei se as séries reflectem a realidade cultural dos países onde são filmadas ou apenas os desejos de quem está a filmar. No entanto, é muito mais avisado da minha parte apostar na primeira hipótese, uma vez que a segunda não me proporcionaria assunto sobre o qual escrever.

Portugal é, de todos os países onde vivi, quer no reino do real quer no reino da ficção, aquele em que a assertividade é mais difícil de encontrar. É verdade que no reino do real nunca vivi noutro lado, mas no reino da ficção já estive por várias vezes emigrado. Os portugueses, em detrimento da postura assertiva, preferem a postura passiva, a postura agressiva, ou, na maioria dos casos, a postura passivo-agressiva (por esta ordem, da passividade à agressividade, sem passar por nenhum estado intermédio). Na minha totalmente infundada análise, este é o motivo pelo qual temos um dos maiores níveis de consumo de ansiolíticos em todo o mundo. A passividade conduz-nos normalmente a uma refeição completa: adiamos as tomadas de decisão (aperitivo); respondemos “sim” a solicitações às quais nos apetece responder “não” (prato principal); digerimos um grande sapo (sobremesa). Nesta situação, a benzodiazepina acaba por se tornar obrigatória no processo de digestão. Da outra postura, a agressiva, que nos leva a falar e a agir sem reflexão prévia, retiramos quase sempre meia-dose de taquicardia imediata e uma boa dose de arrependimento a médio-prazo, sendo o mergulho no Xanax uma questão de tempo. Quem se alimenta de emoções e de impulsos, acaba por perfumar a retrete com o aroma da culpa e do remorso. Mas isso não acontece nas casas de banho dinamarquesas de Borgen. Nessas, onde se sentam os belos rabos da P.M. Birgitte Nyborg e da jornalista Katrine Fønsmark, reina o doce aroma da assertividade, um cocktail formado por doses bem equilibradas de racionalidade, auto-estima, abertura, confiança e frontalidade. Não são, como no conhecido piropo dos trolhas, bombons. Mas em relação às matérias fecais portuguesas, até parecem.

(também aqui)


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