segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A Praxe – um conto moral foleiro e piegas sobre alguns Quadros de análise do tema


As férias desse quente Verão tinham sido maravilhosas mas a publicação dos resultados das candidaturas à Universidade acabara subitamente com o dolce fare niente. Sem qualquer tristeza no coração o caloiro Hugo Soares apresentou-se no campus da sua nova escola onde foi rapidamente abordado por indivíduos vestidos de negro. Eram (alguns) alunos mais velhos do seu curso que o queriam encaminhar para junto de (alguns) outros caloiros com o objectivo o praxarem.
Hugo Soares tinha 18 anos, já podia conduzir e votar, e já tinha sido várias vezes confrontado na sua vida com a arrogância e tiques autoritários de terceiros. No entanto, mesmo sabendo mais ou menos o que o esperava e consciente da liberdade que tinha para os mandar dar uma volta, resolveu alinhar na brincadeira. Juntamente com os seus novos colegas foi pintado, colocado de joelhos, chamado de besta quadrada e “baptizado” com um jarro de água do lago da Universidade. Em qualquer altura destes rituais de baixo nível e de estética desagradável poderia ter-se afastado, recusando sujeitar-se a mais idiotices. Ameaças, coacção, agressões físicas e ofensas são crimes previstos nas leis portuguesas e, uma vez que estamos todos sujeitos a ser um dia vítimas dos mesmos, devemos sempre cultivar uma prévia disposição mental para nos defendermos. No entanto, o caloiro Hugo Soares não encarou aquelas palermices como graves agressões mas como inofensivas brincadeiras, compensadas por algumas dicas úteis que recebeu de alguns dos colegas mais velhos e por uma bonita amizade que desenvolveu com alguns dos colegas mais novos.

Alguns anos mais tarde Hugo Soares foi eleito pelos portugueses deputado da nação e no âmbito do seu mandato, como era de esperar, não conseguiu agradar a gregos e a troianos. Numa manhã de 2014, mais propriamente no dia 20 de Janeiro, enquanto se dirigia para o Parlamento no seu carro, começou a ouvir o programa humorístico “Tubo de Ensaio” que estava a passar na TSF. Surpreendido, constatou que era ele próprio o tema daquela emissão. Durante alguns minutos foi gozado perante todo o país sem dó nem piedade. Uma voz que lhe invadia o habitáculo baptizou-o de “criatura” pertencente a uma “ninhada rafeirosa” e, a propósito do referendo que tinha proposto durante o exercício do seu cargo, foi-lhe transmitido com requintes de malvadez que possuía “o olhar inteligente de um penedo do Gerês”. Pelos vistos não passava de “um urso a pedalar a bicicleta da democracia”, manietado por outros, uma vez que ele próprio não conseguiria desencantar aquelas ideias da sua cabeça sem ter um esgotamento, ainda para mais numa altura em que "frequenta aulas para aprender a comer com talheres”. Enquanto pensava que toda a sua família, amigos, colegas de profissão e conhecidos estavam naquele preciso momento a ouvir aquele texto que o humilhava e enxovalhava, Hugo Soares ainda escutou que tinha “a perspicácia de um esquentador” e que o seu nascimento tinha sido um momento lamentável.
Note-se que os pais de Hugo Soares o poderiam ter preparado para evitar totalmente a praxe na Universidade mas, por muito que se esforçassem, nunca o poderiam ter preparado para evitar a audição daquele programa de rádio. Agora parece que existe um forte movimento para erradicar, proibir e criminalizar todo e qualquer tipo de praxe e que o autor do “Tubo de Ensaio” é um dos mais empenhados membros desse movimento. Por mim tudo bem, não vou sentir a falta.   

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