quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ajustem-se


“Todo o esforço se desvia”, afirmava Fernando Pessoa no Livro do Desassossego. Com esta frase o poeta mostrava o carácter caprichoso da vida que, muitas vezes, castiga o homem esforçado com resultados diferentes, ou até opostos, daqueles que se pretendiam com a aplicação do esforço. Inês Pedrosa, conhecida pessoana e directora da instituição lisboeta dedicada ao escritor, sabe melhor do que ninguém da existência de algum exagero no pensamento e obra de Pessoa. A verdade é que nem tudo vale a pena se a alma não é pequena e nem todo o esforço se desvia do seu objectivo último, sendo que quanto mais directo se mostrar o esforço maior a probabilidade de não ocorrer qualquer variação entre o resultado pretendido e o resultado obtido. Assim, os leitores do jornal Público que ficaram a saber nas últimas horas que a directora da Casa Fernando Pessoa adjudicou vários serviços a conhecidos seus, usando para tal o procedimento do “ajuste directo”, não devem de todo estranhar tal atitude. Conhecendo os avisos do escritor acerca das ironias do destino, para quê apostar em esforços que se mostrem susceptíveis à ocorrência de desvios? Se o objectivo é atribuir a realização dos trabalhos a determinadas pessoas o ajuste directo é a melhor arma de defesa contra o pessimismo do poeta. E, desassossegos à parte, resulta.

A grande lição que se deve retirar deste episódio é que largar os rodeios compensa e dá frutos. Não nos devemos esquecer que a directora da Casa Fernando Pessoa é uma das maiores críticas deste governo e do seu programa de ajustamento. O motivo para tal postura é agora claro. Inês Pedrosa é defensora de ajustes directos e o ajuste a que a nossa economia está a ser sujeita é completamente indirecto. Corta-se a despesa com o objectivo equilibrar o orçamento e aumentam-se os impostos com o objectivo de reduzir o consumo e equilibrar a balança comercial. É tudo demasiado sinuoso para a mente objectiva da nossa pessoana, que recomendaria naturalmente uma solução mais frontal. Se o Estado tem mais despesas do que receitas e se os portugueses consomem mais do que aquilo que produzem, adjudica-se ao BCE o serviço de fabricar mais notas e mais moedas. Por ajuste directo, naturalmente.     

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