quinta-feira, 5 de março de 2015

My God




Estava mais ou menos a meio do terceiro volume da “Recherche” (tinha iniciado a releitura da obra na véspera e sou um leitor vagaroso) quando, ligeiramente cansado, resolvi ligar a television. Primeiro, dada a algazarra e a teatralidade que reinavam no ecrã, pensei tratar-se de um documentário científico sobre a Perturbação Histriónica da Personalidade, mas percebi depois que era apenas o programa “O Eixo do Mal”. Passados uns minutos, no meio da confusão e do movimento de braços, consegui ouvir a Clara Ferreira Alves dizer que o nosso Presidente Cavaco Silva é um saloio. Infelizmente, como tenho passado muito tempo mergulhado na english language (estou a reler todo o Martin Amis, à razão de dois títulos por dia), nem sempre compreendo à primeira o linguajar do povo. Peguei então num dos meus 38 dicionários de Português e consultei a respectiva entrada. A primeira definição que encontrei afirmava que um saloio pode ser um habitante dos arredores de Lisboa, a norte do Rio Tejo. Excluí-a imediatamente. Cavaco é de Boliqueime e, embora ande um pouco baralhado geograficamente (passei os últimos anos numa correria entre Paris, onde terá lugar o meu próxi… primeiro romance, e as fronteiras israelo-libanesa, sírio-turca e turco-iraquiana, onde recolhi os dados necessários para escrever uma série de reportagens a publicar em edições especiais da “New Yorker”), penso que o Algarve fica a sul do Tejo. 

A definição que se seguia relacionava o saloio com o trabalho no campo, o que me deixou com algumas dúvidas pois é provável que o jovem Aníbal tenha dado à enxada em algum terreno da família. Mas isso foi há muitas décadas, antes de investir nos estudos e virar um white-collar worker. Clara Ferreira Alves, uma intelectual de esquerda, não estava de certeza a gozar com o passado de alguém que entretanto apanhou o tão elogiado “elevador social”. (e por falar em elevador, sabiam que li o último Houellebecq numa cabina de um hotel em New York, entre o lobby e o 20º piso? E que escrevi a crónica sobre o mesmo entre o 21º e o 38º, onde ficava o meu quarto? Às vezes até fico atónito com o meu cérebro tão espectacularmente culto! Mas voltemos ao nosso subject)  
Como da última vez que o vi não estava com o cabelo pintado de amarelo nem a gritar por cima das vozes dos outros, também não me parece que o Presidente de República encaixe na terceira definição presente no dicionário, segundo a qual um saloio é uma pessoa com falta de gosto e de educação. E foi assim, por exclusão de partes, que cheguei a uma surpreendente conclusão: a primeira-dama que se cuide, Clara Ferreira Alves acha o Cavaco Silva um pão.

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